Foto destaque: Silas Ismael
Texto: Fabio Pellegrini/MS Norte
Celebrando apenas 73 anos de emancipação político-administrativa, o município de Camapuã, no Norte de Mato Grosso do Sul, tem muita história para ser contada, que nem mesmo alguns moradores devem saber.
“A História de Camapuã vem desde a época dos jesuítas”, explica o ambientalista José Francisco de Paula Filho. “Camapuã chegou a ser o principal entreposto na região por alguns séculos, em uma época que as Coroas Espanhola e Portuguesa disputavam o território aonde hoje se localiza Mato Grosso do Sul, sendo importantíssimo ponto de apoio na consolidação da fronteira Oeste do Brasil”.
Segundo o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul (IGHMS), em 1593, os jesuítas espanhóis, vindo da região de Guaíra, subindo o rio Paraná e depois o rio Pardo, se estabeleceram à margem do ribeirão Camapuã, a cerca de 3 quilômetros acima de onde atualmente se localiza a cidade de Camapuã.
A missão jesuítica chegou a ter, até a metade do século seguinte, grande concentração de indígenas catequisados, até ser devassada pelos bandeirantes paulistas, que disputavam o território em busca de riquezas. Eles capturavam os indígenas para serem utilizados com mão-de-obra escrava no litoral e em São Paulo.
Posteriormente, na década de 1720, integrantes da família Leme (João, Lourenço, Domingos e Antão – bandeirantes paulistas) instalaram-se no divisor de águas conhecido como Varadouro de Camapuã, onde fundaram a Fazenda Camapuã.
Ali era ponto estratégico da Rota das Monções, as expedições que duravam até três meses entre Porto Feliz e Cuiabá, pelos rios. O ciclo das Monções iniciou-se em 1720, com a descoberta de ouro em Cuiabá. A notícia correu pelas capitanias de Pernambuco, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e outras, incitando gente que largava tudo para se arriscar em busca do “Eldorado mato-grossense”.
Os monçoeiros saíam em expedição em centenas de canoas enormes, feitas um único tronco de árvore, que cabiam até 20 pessoas e muita carga de mantimentos e até animais. Percorriam 3.500 quilômetros desde a Vila de São Paulo, navegavam pelos rios Tietê, Paraná e Pardo, até chegar em suas nascentes, transpondo o divisor de águas, em Camapuã.
“Eles chegavam pelo rio Pardo (hoje conhecido em Camapuã como córrego do Capim Branco) até a foz do córrego do Desembarque que nasce na lagoa da Sanguessuga. Em tempos de cheia, alguns subiam pelo córrego indo desembarcar na Lagoa. Da lagoa Sanguessuga até o ribeirão Camapuã percorria-se um trecho a pé de aproximadamente 10 km. Fora da época das cheias as canoas (batelões e canoas de montaria) desembarcavam no rio Pardo (Capim Branco) e percorriam um trecho de aproximadamente 18 km até embarcar no ribeirão Camapuã”, explica De Paula.
Sérgio Buarque de Holanda, historiador do século XX, por abordar o tema, descreveu em seu livro “Monções”: “A fundação de um sítio de cultura em Camapuã, onde os viajantes pudessem achar mantimento e agasalho, além de bois de carga para a condução de mercadorias, constituiu um fato de maior importância na história do comércio de Cuiabá”. No local viviam centenas de pessoas. Criavam suínos, bovinos, plantavam cana e mandioca, servindo como uma parada de descanso para os viajantes”.
Segundo o historiador Paulo Esselin, em 1726, aportou ali o governador da Capitania de São Paulo, Rodrigo Moreira César de Menezes, que se deslocava a Cuiabá cumprindo ordens reais com o objetivo de regularizar a cobrança de impostos e organizar a administração pública em favor da metrópole portuguesa.
A monção era composta de “308 canoas e chegou ao destino final Cuiabá com 3.000 mil pessoas; muitos faleceram afogados e várias canoas foram perdidas devido às muitas cachoeiras e à correnteza dos rios”.
Terra fértil desde o passado
Em 1752, 0bservou o capitão-general Rolim de Moura em sua passagem por Camapuã que os bois daquela fazenda “eram vistosos, formosos, mas muito faltos de forças. Três a quatro de suas juntas mal valiam uma de Portugal”.
Havia sempre grande abundância de milho, farinha, feijão, arroz, porcos e vacas. Dos bovinos não se sabe ao certo o número, dada a largueza dos pastos e a falta de cercas, mas pelos cálculos do capitão-general a propriedade abrigava em suas pastagens naturais cerca de 600 cabeças.
Ao descrever a infraestrutura da fazenda, Rolim de Moura, refere-se a sobrados de bom padrão, nos quais acomodou todos os oficiais, soldados e servidores que o acompanhavam naquela jornada. A construção fazia parte das que circundavam um pátio fechado em que se podia tourear. Além das casas altas que abrigaram o governador e sua comitiva, havia outras no mesmo pátio, e juntamente a capela.
Outro ilustre hóspede que passou alguns dias em Camapuã foi Francisco José de Lacerda e Almeida, astrônomo da comissão de demarcação dos limites, que se referiu ao local como aprazível:
“Neste chapadão, por onde se veem dispersas algumas colinas, estão as vertentes de alguns rios, que deságuam no Paraguai, Rio Grande ou Paraná, os quais têm um declive tão grande que me admirou, pois nunca pensei subir ou descer por uma ladeira de águas. O ar é temperado e puro, tão alegre e ameno aquele terreno todo que, depois que saí de Portugal, não vi nem nas capitanias do Pará e Rio Negro, nem na de Mato Grosso, coisa que se possa lhe comparar. Renasceu em mim toda alegria, que um país aprazível pode causar, e que tinha perdido vivendo por oito anos em um sertão (assim o posso dizer) cheio de matos altíssimos, ásperos, e de algum campo pela maior parte inundado e pestífero”.
Outro hóspede de não menor importância que a Fazenda Camapuã recebeu em pleno século XIX foi Hercules Florence, membro de uma expedição científica organizada pelo cônsul-geral da Rússia no Rio de Janeiro, o Barão George Heinrich Von Langsdorff, em 1826.
Por 43 dias a expedição permaneceu em Camapuã e ofereceu significativa contribuição para que se pudesse melhor conhecer aquele núcleo populacional tão importante da história de Mato Grosso do Sul.
Aos olhos de Florence, o sítio pareceu agradável, cercado que era por montanhas e contando com terras de alta fertilidade, rodeado de bosques, cerrados, vales e chapadas. Tratava-se de uma grande área em que os viajantes podiam refazer-se do longo percurso navegado e reabastecer-se com feijão, milho, galinhas, toucinho, tecidos, carne fresca de vaca e de porco, farinha de milho, arroz e aguardente de cana de açúcar. Além disso, contava com boas acomodações para atender aqueles que se deslocavam para a região das minas ou retornavam a São Paulo.
Em 1826, já em início de decadência, como atesta Florence, contava ainda com trezentos habitantes. Com a morte de seus donos, na década de 1840, a fazenda foi abandonada até pelos escravos e rapidamente transformou-se em ruínas.
Em 1867 passou por lá o Visconde de Taunay, quando a Expedição do Exército foi dar combate à invasão Paraguaia na guerra da Tríplice Aliança:
“Rapidamente transpusemos as três léguas que separam o Sanguessuga das ruínas de Camapuã e, ao meio-dia, avistamos os restos, para assim dizer, imponentes daquela importante fazenda, sede outrora de muito movimento, de todo o que se dava por aqueles sertões. Ainda se veem vestígios de grande casa de sobrado e de uma igreja não pequena; taperas rodeadas de matagais, no meio dos quais surgem laranjeiras e árvores frutíferas, que procuram resistir à invasão do mato e ainda ostentam frutos, como que atraindo o homem, cujo auxílio em vão esperam.
O início do seu repovoamento data do primeiro quartel do século XX, quando já se encontravam na região inúmeras e prósperas fazendas de criação de gado e agricultura.
Sabe-se que vários desses fazendeiros requereram, por intermédio da Prefeitura de Coxim, a criação do Patrimônio de Camapuã, tendo tomado parte nessa providência, principalmente, Francisco Faustino Alves, Protázio Paulino de Melo, Joaquim Capestana, Benedito Bomfim, Camilo Bomfim e Lázaro Faustino.
Em 1924, João Motta construiu, no lugar onde hoje se localiza a cidade, a primeira casa para se estabelecer com comércio. Desejoso de tornar aquela localidade um núcleo de mais densa aglomeração humana, o mesmo João Motta iniciou, logo depois, a construção de uma igrejinha, a qual não lhe foi possível concluir, por haver a morte lhe arrebatado a existência.
Concretizando a idéia de João Motta, outros moradores foram-se radicando na localidade, entre os quais, citam-se os nomes de: Tibúrcio Dias, Firmino Borges, Lázaro Caiana, Francisco Gonçalves Rodrigues e Alaor Gonçalves Rodrigues.
Circundado por terras próprias à agricultura e prestigiado pelos fazendeiros da região, foi-se desenvolvendo o povoado, até que, a 19 de maio de 1933, pelo Decreto n. 272, foi criado o distrito de paz de Camapuã, na comarca de Coxim.
Instalado a 22 de julho de 1933, teve, como primeiro Juiz de Paz, Manoel Alves Rodrigues, e como primeiro Escrivão de Paz e Oficial do Registro Civil, Lafaiete Djalma Coelho.
O Decreto n. 319, de 30 de outubro de 1933, reserva para o patrimônio da povoação de Camapuã, no município de Coxim, mais uma área de 500 hectares, cujos limites descreve.
A Lei n. 134, de 30 de setembro de 1948, elevou Camapuã à categoria de município, com território do distrito de paz do mesmo nome e parte do de Coronel Galvão (atual Rio Verde de Mato Grosso), desmembrado do município de Coxim, e parte do de Alto Sucuriú, desmembrado do município de Três Lagoas.
Atualmente Camapuã ocupa a 22ª posição no ranking de IDH de Mato Grosso do Sul, com uma população estimada em quase 14 mil pessoas, e integra a região turística Rota Cerrado Pantanal.