19 de Set, 2024
Na Semana do Meio Ambiente, ex-agentes de reciclagem de Coxim não têm o que comemorar
08 de Jun, 2022

“Se soubesse que seria pra ficar sem pagar as contas, não teria aceitado sair do lixão naquela época”, diz Claudineia Amaral de Lima, 36 anos. Ela, o marido, Nalciso Vilalva da Cruz, de 59 anos, e mais 11 catadores de recicláveis do lixão de Coxim, foram convidados pela Prefeitura de Coxim, em 2018, a iniciar um processo de mudança para melhor em suas vidas.

 

A Associação dos Agentes Ambientais do Taquari foi criada para oferecer condições dignas de trabalho e tirá-los da insalubridade, separando o material reciclável por tipo (plástico, metais, papelão, entre outros), coletado pela Secretaria de Obras do município, que fazia a coleta porta a porta, iniciada em 6 de julho de 2020.

 

Porém, de 2021 em diante, vários fatores dificultaram a manutenção da Associação. A coleta seletiva deixou de acontecer no período vespertino e era irregular. Com quedas sucessivas nos valores de venda do plástico e papelão, problemas internos de gestão, falta de espaço físico para armazenamento e falta de apoio financeiro e logístico do Executivo Municipal, muitos agentes ambientais pediram desligamento da Associação.

 

Acionados pelos ex-catadores e pela população, os vereadores Abilio Vaneli, Marly Nogueira, Adriana Nahban e Angelo Gari, em setembro de 2021, solicitaram à Prefeitura informações sobre a aplicação dos recursos do Fundo Municipal de Resíduos Sólidos, mas não tiveram retorno.

 

Com o fim da Associação dos Agentes Ambientais do Taquari, em 2022, a coleta seletiva porta a porta, realizada pela Secretaria de Obras, que já tinha deixado de atender muitos bairros no período vespertino, parou de vez inclusive no período matutino. Moradores de vários bairros têm questionado nas redes sociais o que está havendo e não têm encontrado uma resposta oficial por parte do Executivo Municipal.

 

A reportagem do site MS Norte verificou no Diário Oficial que, no final de abril, a Prefeitura de Coxim contratou, por dispensa de licitação, a empresa F & F Reciclagem e Paisagismo Ltda, pelo valor de R$ 46.500,00, para prestação de serviços de coleta seletiva por três meses, atendendo as demandas da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Sustentável.

 

No site da Prefeitura não há qualquer divulgação quanto à mudança do serviço de coleta seletiva porta a porta. A página sobre a programação da coleta seletiva foi excluída. A única referência mais próxima é a página que informa sobre a coleta do lixo, serviço que funciona de forma precária, com atrasos e reclamações da população.

 

Questionado pela reportagem, o gerente de Meio Ambiente do Município, Leonardo Balan, disse que a coleta seletiva porta a porta domiciliar não está interrompida: “Como a empresa foi contratada emergencialmente estão em mobilização de veículos para o atendimento de todo o município que hoje está sendo atendida parcialmente”. Porém, nas ruas, o caminhão da empresa contratada está recolhendo apenas o material dos locais de entrega voluntária e de comércios.

 

Veja como atuavam os Agentes Ambientais do Taquari:

 

 

 

 

Até meados de 2021, a Associação dos Agentes do Taquari era referencial na região e recebia visita de prefeitos e gestores de outros municípios.

 

 

Desperdício de recicláveis e de mão-de-obra especializada

 

Enquanto isso, no Nova Coxim, o Nalciso e Claudineia contam que, com o preço da gasolina atualmente, nem vale a pena sair pela cidade fazendo a coleta de forma autônoma. “Não temos como armazenar em casa. Precisa de muito espaço e chama muito bicho”. O casal vive com uma filha jovem e a mãe de Claudineia em uma casa no Nova Coxim, um bairro praticamente desassistido, com ruas de chão batido e população em situação de vulnerabilidade, entre a BR-163 e uma pastagem.

 

“Nos dez anos que passamos no lixão, conseguimos conquistar o que temos”, diz Nalciso, mostrando a casa de alvenaria sem reboco, um gol quadrado anos 90 e uma moto estacionados no terreiro do lote aonde vivem. Eles disseram também que tentaram receber cestas básicas no Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) do bairro Piracema mas não foram atendidos.

 

Jaci Soares de Souza, 50 anos, é outro ex-catador que foi um dos agentes ambientais do Taquari. Hoje está vivendo na informalidade, sustentando a família como pode, inclusive os netos. Ele realiza triagem na reciclagem de um vizinho, no mesmo bairro e reclama que, como o acesso ao lixão é restrito apenas para descarte, não podem mais entrar lá para recuperar os recicláveis descartados pelas caçambas de entulhos, que deveriam jogar somente podas de árvores, restos de capina e de construção civil.

 

“Muita coisa está sendo jogada no lixão, tem muita coisa sendo enterrada lá que pode ser aproveitada. Eles (os controladores) não deixam a gente pegar. Se vamos lá eles chamam a policia. Nas outras associações de reciclagem (de outras cidades) o pessoal recebe um apoio financeiro das prefeituras, e ainda ganha o rateio do que é vendido do material”, desabafa Jaci.

 

“Se era pela nossa dignidade, pela nossa saúde e pela preservação do solo, não tem nada disso sendo feito”, desabafa Claudineia.

 

 

De fato, a reportagem esteve na tarde de segunda-feira (6 de junho) no lixão de Coxim e constatou destinação incorreta e misturada de restos de construção civil, recicláveis, podas de árvores e rejeitos (lixo comum) e muito fogo e fumaça.

 

Foto: Arquivo pessoal

 

As jovens irmãs Luciana Martins e Lucilene Cruz, profissionais de Gestão Ambiental graduadas pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, campus Coxim, participaram ativamente do processo: “Enquanto a Associação funcionava, era referência para a região”, conta Luciana.

 

“Recebíamos visitas de equipes técnicas, secretários, gestores e prefeitos de outros municípios que vinham conhecer nossa experiência positiva até então. Submetemos projetos a editais, estávamos sempre buscando alternativas de melhorias para manter a Associação”, conta Luciana.

 

Com o fechamento da Associação, Lucilene foi contratada pela Prefeitura de Alcinópolis para atuar na Secretaria de Desenvolvimento e Produção. Luciana estava desempregada, estudando para concursos públicos, até que conseguiu um emprego por meio de processo seletivo com duração de apenas cinco meses.

 

Para o professor doutor em Biologia Cesar Fujihara, da UEMS campus Coxim, há necessidade de maior envolvimento da sociedade, daí a importância da educação e da saúde pública: “Socialmente, para viabilizar uma fonte de renda aos mais excluídos, como os ex-catadores e os profissionais da cadeia da reciclagem. Ambientalmente, pelos vários problemas, como chorume e queimadas no local, com liberação de gases tóxicos que afetam a saúde da população e de animais. E também a Educação, com foco na redução do consumo e limitação de recursos naturais. Enfim, é necessário um trabalho maior, com envolvimento de toda a sociedade, em torno da sustentabilidade”.

 

Esta reportagem integra a série Desafios Ambientais, do site MS Norte, que trata da gestão de resíduos sólidos nos municípios da região Norte de Mato Grosso do Sul.

Reportagem: Fabio Pellegrini e Marcio Breda




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